SANTA CRUZ DE LA SIERRA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva visita hoje a Bolívia para manifestar apoio ao presidente Evo Morales dez dias antes do referendo sobre a nova Constituição proposta pelo governo boliviano.
O projeto da Constituição enfrenta forte rejeição de governadores da oposição, e a esperada intervenção de Lula é vista pelo governo de Santa Cruz, centro da oposição a Morales, como uma intromissão em assuntos internos do país. A visita ocorre dias depois de o Brasil ter atendido a um pedido de La Paz sobre a compra de gás boliviano.
A Petrobras, que vinha comprando cerca de 30 mil m³/dia de gás, passaria a importar 19 mil, já que os reservatórios das hidrelétricas brasileiras estão cheios e, por critérios técnicos, poderia-se desligar as térmicas movidas a gás. Mas, após receber uma delegação boliviana na sexta, o governo disse que, em vez dos 19 mil, passará a importar de 22 a 23 mil m³, reduzindo assim o impacto na perda de receita boliviana.
A decisão, porém, deve elevar o preço da energia para consumidores brasileiros. Oficialmente, Lula visita a cidade de Puerto Suárez, na fronteira com o Brasil, para a cerimônia de entrega de um trecho da rodovia do chamado Corredor Transoceânico. Morales participa do evento. Mas, segundo uma fonte do governo brasileiro, " indubitavelmente a visita tem um caráter de apoio ao presidente Morales, às vésperas do referendo ".
Segundo essa fonte, que pediu para não ser identificada, " ainda que haja tensão política na Bolívia por causa do referendo, o Brasil tem interesse na estabilidade política boliviana e considera que Morales tem legitimidade popular e merece ser apoiado ao buscar aprovar a nova Constituição ".
Não é a primeira vez que Lula visita a Bolívia num momento delicado politicamente. No ano passado, ele esteve em Riberalta, outra cidade fronteiriça, semanas antes do referendo de 10 de agosto, no qual estavam em jogo os mandatos dos governadores e do presidente. Morales manteve o mandato com 67% dos votos. Governadores opositores também conseguiram apoio para seguir no poder.
Na visita de hoje não se espera que Lula use frases claras de apoio a Morales e ao voto " sim " no referendo do dia 25.
" O presidente é muito cuidadoso e evita que seus discursos soem como intromissão " , disse um funcionário do governo brasileiro. O que se espera é uma defesa da democracia, do respeito à institucionalidade.
Mas também elogios Morales. "
É claro o gesto pode vir a ser contado a favor de Morales nesse momento de disputa " , disse outro funcionário. O texto constitucional prevê mudanças estruturais significativas na Bolívia. Confere, por exemplo, autonomia a regiões com prevalência de populações indígenas. Segundo a oposição, isso criará superposições de competências entre indígenas e governos locais.
Segundo os críticos, haverá uma confusão administrativa sobre quais regras valem em certas áreas e a quem caberá receber os tributos da exploração de bens naturais. O texto, diz o secretário de Autonomia, Descentralização e Desenvolvimento de Santa Cruz, Carlos Dabdoub Arrien, estabelece livre determinação a 36 etnias. " Será a débâcle do país se isso for aprovado.
" Além da autonomia, incomoda ainda aos opositores o modelo " estatista e comunitário " e a centralização na figura do presidente.
Para Dabdoub, isso prejudica os investimentos privados bolivianos e estrangeiros no país. " Não adianta dar direitos políticos aos indígenas e aos camponeses, que têm um histórico incontestável de exploração e pobreza, se não criamos condições econômicas e de criação de empregos " , diz o secretário.
Num país onde a maioria da população é indígena ou mestiça, o governo Morales defende a nova Constituição como um caminho para maior equidade social e respeito aos direitos dos povos locais. Um dos capítulos, por exemplo, institucionaliza a justiça indígena, cujos critérios em alguns casos remetem ao período pré-colonial.
Após o evento em Puerto Suárez, Lula e Morales seguem para Ladário (MS), onde terão uma reunião sobre temas como financiamento a infra-estrutura, comércio bilateral e combate ao narcotráfico.
Em seguida, Lula vai à Venezuela. (Marcos de Moura e Souza | Valor Econômico )
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